Estamos todos com medo. Medo de morrer. Medo de viver. Estamos todos amedrontados. Janelas fechadas para a percepção. Travadas as portas do coração. Inimigos entre os filhos e os amigos. Em quem podemos confiar?
Por entre grades, separamo-nos de amigos, familiares, vizinhos e desconhecidos. Desconhecemos nós mesmos. Somos estranhos. Somos prisioneiros do medo, da insegurança.
O policial, também amedrontado, tira a farda e esconde a arma. É difícil saber se quem coloca a mão no bolso de um casaco vai ou não sacar um revólver.
O sujeito só ia tirar os documentos, mas morreu. Policial não vacila, luta pela vida. E também vive de não ser compreendido.
Seria tão lindo viver sem lutar, sem precisar de batalhas e armas.
Lembro-me dos jovens norte-americanos comentando sobre a Guerra do Vietnã. Se não se alistavam, eram vistos como traidores da pátria. Seus pais perdiam os amigos, os empregos, os contatos. Não eram eles apenas que sofriam.
Os que se alistavam eram vistos pelos outros como mercenários assassinos. Suas famílias eram execradas. Não podiam nem ir nem ficar. Os que foram e não voltaram se tomaram heróis em uma pedra. Os que voltaram pensando receber honrarias, glórias e medalhas encontraram portas fechadas, caras amarradas, gritos reclamando de sua violência, da sobrevivência. Não eram heróis. Corpos mutilados, mentes perdidas nas drogas da morte, na droga da vida. Desempregados, encheram cadeias e foram esquecidos.
Onde estavam os filhos das elites? Estavam em combates? Alguns sim, outros não.
O medo tem cheiro. Nas valas escuras, sentia-se o medo permeando a noite.
O medo precisa ser cuidado para não causar mais medo. Em nós mesmos e nos outros. O medo existe. Grande, pequeno. Há medo médio. Medo que vem e que vai. Medo de ter e de não ter. De ser e de não ser. Há medo de sentir medo.
Para onde foi a segurança, a alegria de poder pensar que minha netinha vai ter a oportunidade de crescer feliz?
Nas manchetes de corpos calcinados, crianças levantam os braços em fúria. Crianças e adolescentes, sorrindo da morte, considerando-se heróis.
Heróis de quadrinhos, de filmes de mocinho. O passado já era.
Sem heróis e sem guerras. Quero um mundo de harmonia, de compartilhamento. Quero você sorrindo ao meu lado para contemplarmos, rezarmos e agradecermos.
É preciso estar atento. Verificar se tudo não passa de mera ilusão. Será que o bom, que quer ajudar, não tem outra intenção escondida? Desconfiança, medo, vingança.
Por dentre os escombros de escândalos pré-fabricados, procuro a esperança de um povo magoado que vem sendo pisoteado por aqueles que criam o medo e a divisão.
Girando a roda do darma, Buda falava: “Nada faltando, nada sobrando”.
Alguém poderia me informar para que lado foi a amizade? Onde está a nossa capacidade de trabalhar sem a intenção de ganhar melhores salários ou uma promoção?
Não somos capazes de trabalhar sem a intenção de sermos premiados, apenas fazendo o bem, escutando o som do silêncio no carro parado?
Será que alguém pode me informar quem está querendo fazer fracassar a alegria de poder mudar sem violência, sem guerras, sem traições, sem inveja, sem nenhum tipo de indecência?
Procura-se o não-medo de ser verdadeiramente, “intersendo”.
Autor: Monja Coen
Fonte: Revista da Hora, 11 de Abril de 2004